16 de janeiro de 2009

Ecoboards - A busca pela prancha vegetal

Mensagem originalmente postada em Terça-feira, 11 de Março de 2008

As idéias-chave que nos impulsionaram a construir pranchas de surf de madeira são:

1. A busca da evolução do esporte resgatando as origens da velha guarda (oldschool) e o respeito e entendimento dos surfistas ancestrais pela natureza e pela arte que por sua vez tornam sua prancha mágica na força de seu sentimento e nostalgia.

2. A arte, o toque e a liberdade possibilitada pela madeira na escultura de formas orgânicas, fractais que estão no DNA da natureza e na sínteze das ondas, do surf e da vida.

3. A substituição de materiais tóxicos e não degenerativos por outros provenientes da biomassa numa pesquisa constante por novos materiais biodegradáveis, renováveis, atóxicos e de base orgânica.

4. A valorização da antítese que pode acordar o mundo na quebra dos paradigmas de uma época marcada por produtos e pranchas de surf descartáveis e feitas sem a menor consciencia ambiental, muitas vezes por uma máquina, perdendo totalmente sua individualidade e a fidelidade às suas origens.


Com essas idéias na cabeça, como fazer para obter a prancha perfeita (para nossos ideais), preenchendo ao maximo os 4 requisitos acima e ainda sendo leve, resistente, durável, com curvas e linhas harmoniosas, bonita e acima de tudo funcional tanto na água quanto na sua confecção? Através da curiosidade e do trabalho! Fazendo uma atrás da outra, pesquisando métodos construtivos, engenharia naval e de materiais, pensando e sonhando a respeito. Aprendemos bastante lendo tudo sobre construção naval e compósitos e participando de listas de construtores de veleiros. Hoje, quase dois anos depois do início da idéia, evoluimos bastante e posso dizer que estamos indo passo a passo em direção à inalcançável perfeição, inexistente na matéria.

Nossas pranchas são feitas seguindo um longo processo de trabalho com diversas etapas tornando uma das maiores características das pranchas ocas de madeira a mão de obra detalhista e meticulosa, envolvendo muitas áreas das artes, do design e da engenharia.

etapa 1: Design do projeto
Envolve todo desenho das peças que conformam o cavername da prancha pretendida, o outline, a longarina com a flutuação em todo comprimento da prancha e o rocker (curva de fundo) e as costelas transversais, responsáveis pelo caimento do domedeck , da linha de borda e do fundo de acordo com o que se espera da prancha.

etapa 2: Montagem do cavername
Recorte das peças que compõem a alma da prancha oca, colagem das costelas na longarina e dos tirantes nas costelas formando um esqueleto flexível parecido com uma asa de um avião de aeromodelo.

etapa 3: Colagem do fundo
Preparação da chapa que será utilizada no fundo da prancha, ela pode ser formada pela colagem de folhas mais finas formando algo como um compensado até chegar à expessura desejada ou pela colagem lateral de ripas de madeira leve já com a expessura desejada. Depois da chapa estar pronta com as dimensões do esqueleto da prancha, ela é colada numa mesa projetada exclusivamente para prensar a prancha durante 2 ou 3 dias até a cura total da cola. Logo após ela é totalmente impermeabilizada por dentro, fundo e esqueleto. Nessa etapa pode ser realizada a colagem da caixa de quilha se for o caso.

etapa 3: Colagem do deck
Ocorre exatamente de acordo com o processo de colagem do fundo, porém mais reforçado pois é o ponto de maior esforço estrutural. Durante a montagem das chapas do fundo e do deck, pode-se pensar no desenho que a colagem das madeiras irá dar às pranchas, pelo contraste de madeiras mais claras e escuras, a marchetaria é a arte que pode valorizar muito este trabalho.

etapa 4: Refile
Recorte do deck e do fundo da prancha de acordo com o inline da prancha, preparando-a para a colagem das ripas de borda que serão posteriormente shapeadas.

etapa 5: Bordas e tacos de bico e de rabeta
Serragem das ripas e colagem das mesmas no inline da prancha, colagem de tacos de rabeta e de bico fechando a caixa. Bloco pronto e já se pode ver a prancha quase pronta passados em média 15 dias de trabalho.


Etapa 6: Shape
Agora chegou a hora da escultura, momento em que o bloco deverá ser habilmente shapeado, o outline será retraçado, as bordas serão viradas, o edge definido e o peso morto eliminado.

Etapa 7: Quilhas
Colagem da madeira para formacão da chapa, recorte do outline da quilha, shape do foil e laminação. A quilha de madeira traz flutuação positiva à rabeta da prancha, diferente das pesadas quilhas de resina que tendem a afundar.


Etapa 8: Grafismos
Além da marchetaria, a prancha de madeira aceita bem a utilização de tinta e também outras formas de arte como pirografia. Que tipo de prancha poderia ser prirografada? Só uma de madeira de verdade mesmo, aquelas que são feitas de bloco de espuma e revestidas com uma folha de madeira apesar de serem lindas, muitas vezes marchetadas, sao uma farça e jamais poderiam ser pirografadas.


Etapa 9: fixação da ancoragem da cordinha (leash) e da válvula de pressão.
A fixação da cordinha todos estão familiarizados pois esta etapa faz parte de qualquer prancha de surf, podendo ser uma pitinha, um copinho plástico ou até mesmo um gancho de latão. O que mais intriga é a válvula de pressão que existe para que a mudança de temperatura do ar do interior da prancha não prejudique a laminação e estanqueidade da prancha oca. Quando está muito quente, o ar tende a expandir e se não tiver por onde escapar, força as juntas de dentro para fora da prancha, podendo soltar a camada selante da prancha e criando passagem para água entrar. O contrário também pode acontecer, com o ar interno esfriando, cria uma pressão negativa que tende a chupar o ar (e tb a água) para o interior da prancha. Sendo assim, a válvula deve ficar sempre aberta e somente ser fechada ao entrar na água, abrindo após o uso. A válvula de pressão também serve como um termômetro que nos diz se a prancha está estanque, colocando um pouco de pressão dentro da prancha, a mesma deve segurar o ar lá dentro, fazendo o barulho de um sopro ao ser aberta, sinal que o ar não está escapando com a válvula fechada. Caso prancha não esteja estanque, ela não segurará o ar em seu interior.

Etapa 10: Laminação
Uma etapa muito importante da fabricação de uma prancha "oca" de madeira pois sem ela, a prancha vira um vasilhame d'água e certamente irá naufragar. O mais importante é tornar a prancha uma caixa estanque, para que não enxarque aumentando seu peso sem comprometer sua estrutura.

Inicialmente utilizamos a resina mais barata, comum e de mais fácil acesso que tinhamos em Ubatuba, a resina poliester, utilizada na laminação dos blocos de poliuretano expandido com reforço de fibra de vidro; em nossas primeiras pranchas, ela adicionou 2 quilos ao conjunto total da prancha, se mostrando bastante resistente em alguns casos porém delaminando em 30% dos casos em certas partes feitas com madeiras mais oleosas e ou mais porosas. Além deste problema de aderência à madeira, tem o problema da toxidade durante a cura quando ela emite gases muito prejudiciais à nossa saúde e à atmosfera. Apesar de sabermos desses males, inclusive do fato dela ser derivada de petróleo (fonte esgotável) e utilizar a fibra de vidro que ao ser lixada tb faz mal ao lixador e deixa para trás um resíduo que se acumulará por milhões de anos, já estávamos substituindo o bloco de PU, o que num primeiro momento já era o suficiente para nós.

Com a busca por um produto melhor, passamos a utilizar a resina epoxy, normalmente utilizada na laminação de pranchas de poliestireno expandido (isopor), é a mais indicada para laminação em madeira por ser mais aderente à mesma, mais forte, mais flexível, mais leve porém bem mais cara e um pouco mais difícil de trabalhar pois ela sofre com a humidade e com a temperatura mais baixa. O ideal é laminar em um dia mais quente e de preferencia menos húmido, o que é bem difícil em Ubatuba, ou numa estufa climatizada. Já passamos a utilizar um tecido de fibra de vidro mais fino, uma vez que a estrutura do conjunto está na madeira, fazendo uma camada de laminação mais fina, ganhamos em leveza cerca de meio kilo. A resina epoxy é bem mais amigável ecologicamente, não fazendo mal à camada de ozônio porém deixando ainda resíduos derivados de petróleo que demorarão centenas de anos para se degradar e ainda temos o reforço de fibra de vidro que dá uma coceira danada em quem está lixando.

Como pode-se constatar, até agora, ainda não tínhamos chegamos à um produto 100% biodegradável, mas a pesquisa continuou, nos tornando cada vez mais curiosos, testamos diversas ceras e resinas naturais para estanqueidade das pranchas de madeira e no momento estamos experimentando um produto que vem se mostrando ser o ideal, uma resina impermeabilizante com base em óleos vegetais totalmente renováveis, completamente biodegradável em 10 anos (sob as condições ideais de degradação), inodora, definitivamente atóxica e de coloração ambar, que deixa ainda mais bonita a cor da madeira. Temos algumas pranchas que já estão na água e inteiramente vedadas, sem a utilização de reforço estrutural em fibra de vidro, aumentando míseras quinhentas gramas no conjunto total da prancha. O melhor disso tudo, o preço, essa impermeabilização sai mais barata que uma laminação poliester, assim damos mais um passo em direção à evolução ou à revolução na fabricação de pranchas de surf substituindo mais um processo tóxico por um natural. Já temos alguns clientes abraçando essa causa ao optar por essa impregnação natural, fazendo parte desse verdadeiro manifesto cultural e ecológico.

2 comentários:

  1. Parabens pelas pranchas!!!! Tem varias empresas (Idhea, Kehl, Biomat, Polinova, etc) no brasil desenvolvendo bio-resinas e tamben tecido de bambu e coco que podem ser excelentes alternativas para os materiais toxicos! Hoje em dia e possivel fabricar a prancha 100% sustentavel...
    Muita sorte!!!!
    Aloha,

    Be Water my Friend...

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  2. Nossa, parabéns pelo trabalho, fiquei impressionado, parece até fácil fazer uma dessas. Será que um amador conseguiria¿

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